Você provavelmente já viu alguma planta que nasceu sem ser cultivada em um canteiro da rua, em um terreno baldio, no quintal da sua casa ou no sítio em que você vive ou frequenta. Já imaginou que elas, além de serem comestíveis, podem também se mostrar mais nutritivas que os vegetais que costumamos ver nos mercados e feiras? Algumas dessas plantas, que costumeiramente chamamos de “daninhas”, “matos”, “matinhos” tem uma denominação específica, são chamadas de Plantas Alimentícias Não Convencionais ou em seu acrônimo “PANC”. Na verdade, a maioria das plantas comestíveis estão dentro desse grupo, afinal nós não comemos, nem produzimos e nem conhecemos boa parte delas.
O termo PANC foi criado em 2007 pelo Biólogo e Professor Valdely Ferreira Kinuppe, refere-se a todas as plantas que possuem uma ou mais partes comestíveis, sendo elas espontâneas ou cultivadas, nativas ou exóticas que não estão incluídas em nosso cardápio cotidiano e são assim denominadas as plantas que ainda não foram completamente estudadas por parte da comunidade técnico-científica e/ou exploradas pela sociedade como um todo, resultando em consumo regional e apresentando dificuldade de aceitação e consumo para as demais regiões do país.
No Brasil existe um investimento substantivo no modelo agroexportador que é baseado no cultivo de monocultura transgênica destinada para a exportação e fabricação da ração utilizada na pecuária extensiva. Além disso, o modelo globalizado do agronegócio foca na produção de apenas quatro vegetais: milho, soja, trigo e arroz. Esses quatro vegetais são responsáveis por dois terços das calorias consumidas diariamente no mundo, forçando uma dieta monótona e sem vínculo com a cultura e o território para a maior parte da população da Terra. Em ambos os casos, as PANC acabam sendo ignoradas, ocasionando não só numa perda de um possível mercado interno e menor diversidade na nossa nutrição, mas também acarreta no esquecimento de aspectos culturais das populações camponesas, quilombolas e dos povos originários. Para a ciência, o nome dado a esse fenômeno de simplificação da dieta e do abandono da produção para subsistência é chamado de erosão cultural alimentar. Ocorre uma perda gradativa de uma alimentação variada onde o seu espaço é substituído pelas práticas e hábitos alimentares urbanos alicerçados na cultura do agronegócio.
Sendo assim, muitas plantas estão esquecidas e já não são mais vistas como alimento. Por isso, as PANC, adaptadas aos diferentes ambientes, nascendo sozinhas, buscam sua inserção natural, no resgate dos processos dos sistemas vivos. Assim, não precisam necessariamente ser cultivadas, e sim mantidas e manejadas de acordo com as condições de solo e interesse em sua manutenção e propagação. Por nascerem em diferentes ambientes elas conseguem manter a biodiversidade fazendo com que os ecossistemas estejam menos sujeitos a desequilíbrios. As PANC em forma de culturas permanentes (permaculturas) mantêm o ciclo da água, além de diminuir a compactação e aumentar a vida no solo, requerendo menor uso de energia no sistema.
Contudo, é importante destacar o papel das PANC como alimentos funcionais em nosso organismo (microssistema) por meio de vitaminas essenciais, antioxidantes, fibras, sais minerais, que nem sempre são encontradas em outros alimentos. As PANC geram autonomia para o ser humano que deseja buscar - por suas próprias mãos - os nutrientes que necessita e os sabores que mais lhe agradam. Em conjunto, integradas com as comunidades humanas, esta autonomia é também fator de autoafirmação e emancipação, no que se pode chamar de “soberania alimentar ecológica”. Assim, com o desejo de que cada vez mais pessoas - tanto agricultores quanto consumidores - se apropriem dos conhecimentos relacionados às PANC é necessário a divulgação ampla dos conhecimentos obtidos para iniciar uma transformação sociopolítica, que busque o reequilíbrio ecológico juntos a um resgate cultural.
ALGUMAS PANC E SEUS NUTRIENTES:
1. Ora-pro-nóbis
A ora-pro-nóbis, para quem não sabe, também é considerada um superalimento pois, além de ser rica em proteínas, também é fonte de fibras, cálcio, fósforo, ferro, vitamina A, C e do complexo B., ou seja, é altamente nutritiva! Além disso, a planta também possui propriedades medicinais.
2. Bertalha
Também conhecida como espinafre-indiano, a bertalha é considerada uma das PANCs mais nutritivas e benéficas para a saúde. Ela possui folhas verde-escuras ricas em fibras vitamina A (ajuda a fortalecer a imunidade), bem como minerais importantes (cálcio, ferro e fósforo, por exemplo). Além disso, a planta tem alto teor de antioxidante e, por isso, a longo prazo ajuda a prevenir o envelhecimento das células.
3. Beldroega
Conhecida por ter um alto teor de ômega 3, essa planta medicinal é indicada para controlar os níveis de colesterol e faz muito bem para os sistemas nervoso e cardiovascular. A beldroega, para quem não sabe, também é fonte de outros nutrientes importantes (vitamina A, C, do complexo B, ferro, potássio e cálcio), além de ter propriedades depurativas e anti-inflamatórias - ou seja, ajuda a eliminar as toxinas do organismo e a fortalecer a imunidade.
4. Hibisco
Muito usado no preparo de chás caseiros, o hibisco - apesar de ser uma planta medicinal mais conhecida - ainda é considerado uma PANC. O hibisco possui um alto teor de ferro e de vitamina C (cumprindo forte atuação antioxidante), tem propriedades anticoagulantes, anti-inflamatórias, cicatrizantes e diuréticas - ou seja, funciona como excelente planta medicinal, ajuda a fortalecer a imunidade, tratar feridas e eliminar toxinas do corpo.
5. Dente-de-leão
O grande diferencial do dente-de-leão é que ele possui propriedades digestivas e depurativas (ajuda a desintoxicar o fígado), é fonte de vitamina A e antioxidantes. Por isso, ele também ajuda a aumentar a imunidade e pode ser usado para fins medicinais.
E você? Quais pancs já consumiu ou tem vontade de consumir? Conte-nos mais nos comentários ou em nossas redes sociais.
João Victor Correia e Rodrigo Guerra
Referências:
BALEM, T. & SILVEIRA, P. R. A erosão cultural alimentar: processo de insegurança na agricultura familiar. In: Congresso da Associação Latino-Americana de Sociologia Rural, 2005. Porto Alegre. p. 4 Anais... Porto Alegre: Associação Latino-Americana de Sociologia Rural, 2005.
KELEN, M. E. b. et al (Org.). Plantas alimentícias não convencionais (PANCs): hortaliças espontâneas e nativas. Porto Alegre: Ufrgs, 2015.
POLLAN, M. O dilema do onívoro: uma história natural de quatro refeições. Rio de janeiro: Intrínseca, 2008.
KINUPP, V. F. Plantas alimentícias não-convencionais da região metropolitana de Porto Alegre, RS. Tese de Doutorado. UFGRS. Porto Alegre, 2007.
KINUPP, V. F.; LORENZI, H. Plantas alimentícias não convencionais (PANC) no Brasil: guia de identificação, aspectos nutricionais e receitas ilustradas. Editora Plantarum. São Paulo, 2014.
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